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Foto do escritorRegina Mota

Nossa língua de cada dia

Nossa linguagem é rica e traz a marca do tempo e do lugar em que é falada. Vale a pena fazermos umas “andanças” por esse mundão afora, mais especificamente, por esse interiorzão das nossas Minas Gerais. A riqueza da expressão retrata quem somos, o que fomos e o que queremos. Queremos a lembrança, o recordar. Somos uma lembrança, uma memória. Beleza, leveza e riqueza: assim é a linguagem do nosso interior mineiro. Há simplicidade nas palavras. “o cigarrim de paia é pra modi passá o tempo, cumadi...” E enquanto o tempo passa, você pode ir na casa de Zé-antoin-de-hilda-di-Zé-di-marieta em uma só palavra, toda a família é citada José Antônio é filho da D. Hilda, que é casada com o Sr. José, filho da D. Marieta.


Em qualquer casa coloca-se “água no fogo pra fazê um cafezim”, e ele sai, na hora: doce, transparente e frio; transparente como os rostos acolhedores dos habitantes que nos dizem no momento da despedida: “Vai não, fia, demora mais...” Lá, nas subidas para cima e nas decidas para baixo, encontramos as mesmas caras à procura de novidade. Os moradores entram para dentro e saem para fora, enquanto a terrinha boa está produzindo jabuticabas, laranjas, mangas, goiabas. Frutas com sabor, com cheiro “di Vera”. Ah! Que delicia “cascar” uma laranja no pé. À tardinha, vem o cheirim de mais uma comida é a janta. Novamente, o arroz é “afogado”.

Ainda bem que ele sobrevive para sustentar as bocas famintas depois de mais um dia de lida. E bota lida nisso! Nessas andanças de meu Deus, ninguém encontra espaço para o “e ai veio, qual é a boa?” O que tá pegano?” Veio é apenas a maneira carinhosa de referir-se ao pai: o meu veio. Temos lá a riqueza do vocabulário puro, onde as palavras não têm malícia. Elas fluem no pensamento. A tecnologia ainda não “deletou” da nossa memória as gotas de orvalho que secam com o primeiro raiar do sol, nem os ovos colhidos no fim da tarde para preparar as quitandas.

Mesmo no mundo da tecnologia ainda é impossível apagar da nossa memória: os sinos que badalam aos domingos para que os fiéis louvem a Deus; criança que não brinca com fogo para não fazer xixi na cama; criança que engole piaba viva para aprender a nadar; benzedeiras que curam de cobreiro e de vento virado. Felizmente, hoje, mesmo com mudanças, tecnologia e falta de tempo, ainda há causos para serem contados e/ou lembrados.


Causos com princípio, meio e fim... Era uma vez, numa lonjura sem fim, lá nas grota, um homem que botava defeito ni todo mundo. Adorava falá de todo mundo. Sua língua era “perigosa, muito perigosa”. Um dia, de tardinha, quando o sol já se punha e ele ia pra roça, pra vê como tinha sido a capina no mio, encontrou, então, numa curva bem fechada, perto de uma mata, onde passa o Rio do Capão da Onça, uma caveira. Ele ficô assustado meio tonto e pensou: - É fantasma, meu Deus do Céu, Minha Virgem Maria, Santa Luzia benze meu olho. Nem tô acreditano nisso. Então, com coragem de macho, respirou fundo e perguntou à caveira: - cavera, cavera, por que que ocê morreu, cavera? Foi a língua Seu moço... Foi a língua... A língua... Sem eira e com beira, continuemos com a beleza, a leveza e a riqueza da nossa cultura, das nossas lembranças.


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