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Os dois horizontes, Machado de Assis

Foto do escritor: Regina MotaRegina Mota

Dois horizontes fecham nossa vida:


Um horizonte, — a saudade

Do que não há de voltar;

Outro horizonte, — a esperança

Dos tempos que hão de chegar;

No presente, — sempre escuro,—

Vive a alma ambiciosa

Na ilusão voluptuosa

Do passado e do futuro.


Os doces brincos da infância

Sob as asas maternais,

O vôo das andorinhas,

A onda viva e os rosais;

O gozo do amor, sonhado

Num olhar profundo e ardente,

Tal é na hora presente

O horizonte do passado.


Ou ambição de grandeza

Que no espírito calou,

Desejo de amor sincero

Que o coração não gozou;

Ou um viver calmo e puro

À alma convalescente,

Tal é na hora presente

O horizonte do futuro.


No breve correr dos dias

Sob o azul do céu, — tais são

Limites no mar da vida:

Saudade ou aspiração;

Ao nosso espírito ardente,

Na avidez do bem sonhado,

Nunca o presente é passado,

Nunca o futuro é presente.


Que cismas, homem? – Perdido

No mar das recordações,

Escuto um eco sentido

Das passadas ilusões.

Que buscas, homem? – Procuro,

Através da imensidade,

Ler a doce realidade

Das ilusões do futuro.


Dois horizontes fecham nossa vida.


Machado de Assis, in 'Crisálidas', de 1864.

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