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Foto do escritorRegina Mota

Acordar, Monja Coen

E se de repente tudo cessasse? Não pela morte, mas em vida. Você parasse de pensar sem parar. Parasse de falar e falar. Parasse de reclamar e apenas sentisse. O que seria?


Se de repente tudo se aquietasse e você pudesse ouvir o que nunca ouve, o que ouviria?


A gente se esquece de ouvir. Fala tanto. Reclama e reclama. Da vida, dos santos, da televisão, da mídia, dos políticos, da Justiça, dos filhos, dos pais, dos maridos, das esposas, dos amigos, dos chefes, dos empregados... Sempre falando, sempre pensando, sempre reclamando.


E se de repente tudo cessasse? Não pela morte, mas em vida. Você parasse de pensar sem parar. Parasse de falar e falar. Parasse de reclamar e apenas sentisse. O que seria?


Talvez sorrisse de tanta burrice e soltasse um ai!


Talvez chorasse de tanta tristeza e soluçasse um ai!


Quem sabe? Vamos tentar? Por um só momento ficarmos atentos ao que é neste instante e que não se repetirá jamais?


Abrir bem os olhos não é arregalar. É olhar bem profundo, lá mesmo no fundo, aonde ninguém quer chegar. É ver o escondido segredo mantido que a gente pretende não ter em nenhum lugar. De olhos abertos. Ouvidos despertos. Sentidos alertas. Pode-se até sonhar.


Sonhar o sonho de dentro de um sonho. E pode ser um sonho de acordar.


A gente sonha cada bobagem. Ondas enormes, perigos, enchentes. A gente sonha que há guerras e mortes e foge, foge, foge. Quer gritar e não pode. Ou sonha com flores e gramados brilhantes de orvalho ao nascente. Sonha com paz e com gente contente. Sonha tanta coisa. Sonha acordado. Sonha dormindo. Sonha no sábado e também no domingo. Ás vezes, até se esquece de sonhar e acorda pensando o que foi que esqueceu... O sonho talvez de acordar.


Mas, antes de tudo, antes de se levantar, percebe o ar, os sons ao redor, a textura da fibra de que é feito o lençol. Percebe o dedão lá do pé querendo furar a meia que você teve ontem preguiça de tirar. Espreguiça comprido cuidado para a câimbra não despertar. Levanta-se de esguelha, sem nó lá no peito, sem lembrança de nada. Levanta-se e respira bem fundo e suspira que hoje é o dia de você acordar.


MONJA COEN é monja budista da tradição Soto Zen; site: www.monjacoen.com.br

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